Nesse 1º de julho de 2020, nós acompanhamos e apoiamos a Paralisação Nacional dos entregadores de aplicativos, que se mobilizaram, do Norte ao Sul do Brasil, em busca de condições mínimas para sua atividade laboral.
A pauta de reivindicação defendida pelos entregadores consiste na busca por: aumento do valor das corridas e pacotes; aumento do valor mínimo por entrega; fim dos bloqueios e desligamentos indevidos; seguro de roubo, acidente e vida; fim do sistema de pontuação; e, auxílio pandemia (Equipamentos de Proteção Individual e licença).
Mas, para além de acompanhar e apoiar o movimento de união dos entregadores, me parece essencial perceber as lições que a paralisação traz consigo – lições notórias em tempos de pandemia, diga-se de passagem.
É bem provável que muitos usuários jamais tenham refletido sobre as condições de trabalho daquele entregador que se apresenta no portão da sua casa ou na portaria do seu condomínio.
Talvez a comodidade do consumo mediante as facilidades tecnológicas oferecidas pelos aplicativos, estejam contribuindo para que os usuários ignorem o fato de que a atividade dos entregadores é extremamente penosa e desprovida de condições mínimas para o trabalho decente e seguro.
Logo no primeiro boom dos trabalhadores de aplicativos, foi difundida a ideia de que essa modalidade era uma forma de os trabalhadores se tornarem empreendedores, por não terem “patrões”, não serem obrigados a cumprir determinada jornada de trabalho, dentre outros “benefícios”.
Sobre a ideia de o entregador ser um empreendedor, cabe aqui uma breve explanação. A ideia de empreendedorismo está relacionada às pessoas empreendedoras que, por definição, são aquelas que decidem correr riscos e investir recursos para iniciar a atividade empresarial e a organização de negócios, em busca de capitalização e lucro. Segundo Schumpeter (1942), “o empreendedor representa o lado criativo e ao mesmo tempo prático, essencial para o nascimento, crescimento e sobrevivência de um negócio”.
A partir dessa brevíssima definição, podemos perceber que os entregadores de aplicativos não são empreendedores em si, mas sim, trabalhadores que fazem parte de uma estratégia empreendedora, empenhando toda sua força de trabalho em favor de determinadas empresas que inovaram no setor de serviços.
Em 2019 a Revista Exame divulgou que os aplicativos de serviços, dentre eles Uber, iFood e Rappi, se tornaram, em conjunto, o maior “empregador” do país, reunindo 4 milhões de trabalhadores autônomos que utilizam as plataformas como fonte de renda
A análise dessa conjuntura sob a ótica trabalhista, impõe a percepção no sentido de que temos 4 milhões de trabalhadores vinculados à uma relação de trabalho precária, que não oferece o mínimo de condições de segurança, saúde e higiene, tampouco assegura o arcabouço mínimo condizente com o trabalho digno.
E sobre isso, é bom lembrar que em maio de 2006, no âmbito da OIT, o Brasil lançou a Agenda Nacional de Trabalho Decente sob a premissa de “gerar trabalho decente para combater a pobreza e as desigualdades sociais”. Dentre as prioridades estabelecidas pelo compromisso firmado, está a geração de mais e melhores empregos, com igualdade de oportunidades e de tratamento, através de políticas de desenvolvimento de ações voltadas à garantia de um ambiente de trabalho seguro e saudável.
Mas o cenário da pandemia decorrente do novo coronavírus, tem evidenciado o total distanciamento das garantias necessárias para o trabalho digno e seguro dessa parcela de trabalhadores que, apesar de incluídos no rol de atividades essenciais, continuam desprovidos de condições mínimas para sua atividade.
A exemplo disso, é de se ver que com o isolamento social, os entregadores de aplicativos passaram a ser submetidos a jornadas de trabalho ainda mais extenuantes, sem qualquer contrapartida em relação a remuneração, garantia de alimentação, saúde e higiene durante a atividade laboral, sem considerar ainda que, a intensa circulação e exposição dos entregadores, tanto em condições normais como na pandemia, revela a necessária proteção contra quaisquer intercorrências que possam comprometer sua saúde e segurança.
Dispensando-se, para o momento, a análise jurídico-laboral sobre essa nova (e precária) relação de trabalho, é certo que ela tende a se consolidar no cenário trabalhista, mas, acreditamos que o dia de hoje anuncia, em caráter permanente, o necessário reconhecimento desses trabalhadores, que oferecem o benefício da comodidade do consumo para toda a sociedade e que agora lutam por condições mínimas de trabalho digno. Essa é uma responsabilidade de todos nós!